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18/05/2020ㅤ Publicado às 07:24

 

 

Leia abaixo o artigo completo intitulado “Onde estão os contaminados pelo COVID-19? A distribuição sócioespacial do coronavírus em Aracaju-SE”, elaborado em conjunto pela conselheira estadual e coordenadora da Comissão Especial de Política Urbana e Ambiental (CPUA) do CAU/SE Sarah França e pelo médico pediatra Ricardo Gurgel, publicado em 16/05/20, no periódico impresso Jornal da Cidade, veiculado no estado de Sergipe.

 

Onde estão os contaminados pelo COVID-19? A distribuição sócioespacial do coronavírus em Aracaju-SE*

As cidades são, historicamente, principais epicentros de epidemias. O novo coronavírus se espalhou pelo mundo sem distinção de país, cidade, bairro, idade, raça ou classe social e já está provado que a alta concentração de pessoas e atividades contribuem para ampliar os riscos de contaminação. Prevê-se que o impacto seja maior para as populações mais vulneráveis, que vivem em bairros com infraestrutura insuficiente, em assentamentos precários, favelas e moradores de rua. Por outro lado, verifica-se um impacto inicial em bairros altamente adensados de classes média e alta, em função da origem importada do vírus Sars-CoV-2, vindo da Itália, no caso do Brasil.

As condições urbanísticas e ambientais em que essas populações vivem, interferem no cenário da pandemia, como saneamento básico, condições das moradias e acesso à informação sobre a doença. Se uma das formas de prevenção é a higienização frequente e correta das mãos e objetos, a gestão pública deve se atentar para àquelas famílias que não tem acesso à rede de abastecimento de água. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, em Aracaju, 2,09% dos domícílios, o equivalente a cerca de 4 mil, contavam com formas precárias desse serviço, como através de poço ou nascente, água da chuva armazenada e rio. Isso ocorre nos bairros Coroa do Meio, Santa Maria e Zona de Expansão, sendo assim, mais vulneráveis por concentrarem as maiores taxas desse “serviço” nos domicílios.

Na capital sergipana, em março de 2020, cerca de 73 mil famílias** estavam inseridas no Cadastro Único (base de dados das famílias de baixa renda), vivendo sob condições de precariedade na zona norte, em bairros como Porto Dantas, Santos Dumont, Cidade Nova, Lamarão, Soledade e Olaria, e ao sul, no Santa Maria e 17 de Março, segundo dados do Observatório Social de Aracaju, da Prefeitura Municipal. Isso reforça, no enfretamento do COVID-19, a necessidade de fortalecimento das medidas de isolamento social e de higiene, em detrimento da infraestrutura insuficiente, de moradias com duas ou mais famílias no sistema coabitação, ou em vilas, associado às programas de auxílio de renda.

O primeiro caso de COVID-19 em Aracaju foi registrado em 14/03, originário da Espanha, e em 16/03, o Governo do Estado e a Prefeitura decretaram medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública, dentre elas o isolamento social e suspensão de atividades que resultavam em aglomerações. Em 25/03, foi comunicado o primeiro caso de transmissão comunitária, enquanto já haviam 13 ocorrências confirmadas. As duas primeiras vítimas foram confirmadas em 02/04, agravando ainda mais o cenário na capital, apesar de estarem sendo adotadas medidas necessárias.

Em 29/04, a gestão municipal anunciou parceria com a Universidade Federal de Sergipe, para realizar testes e mapear a incidência dos casos de COVID-19. No dia anterior (início dos registros por bairro), computou-se 189 contaminados, com maior intensidade no Jabotiana (13 casos), Santa Maria e Jardins (11 casos), Atalaia, Luzia, Ponto Novo, Santo Antônio e Zona de Expansão (10 casos), conforme divulgado no boletim da Secretaria Municipal de Saúde.

No dia 12/05, 60 dias após do anúncio do primeiro caso, foram confirmados 1.413 casos de COVID-19, distribuíos pelos seguintes bairros: Farolândia (121 casos), Jabotiana (111 casos), Luzia (91 casos), Jardins (76 casos); Zona de Expansão e Atalaia (63 casos); São Conrado (59 casos); Grageru (56 casos); Inácio Barbosa (48 casos); Ponto Novo (47 casos), Treze de Julho, Coroa do Meio e Santa Maria (44 casos). A Prefeitura Municipal alerta que os números de casos por bairros podem sofrer variações após a confirmação dos endereços do paciente.

Em 2016, em estudos realizados por esta autora, foram apontados os vetores de adensamento e expansão urbana em Aracaju sob a perspectiva da produção habitacional, em que revelou os dez bairros que mais tiveram unidades habitacionais licenciadas em empreendimentos imobiliários, após a promulgação do Plano Diretor, em 2000 (Lei que define critérios para o desenvolvimento urbano municipal). São eles: Jabotiana, Zona de Expansão, Farolândia, Luzia, Jardins, Santa Maria, Porto Dantas, 17 de Março, Atalaia e Coroa do Meio. Jardins, Atalaia, Coroa do Meio e Luzia são marcados pela implantação de condomínios verticais direcionados às classes média alta e alta. Jabotiana, Zona de Expansão e Farolândia foram os que mais receberam empreendimentos subsidiados por programas federais, como o de Arrendamento Residencial e o Minha Casa Minha Vida, além dos vários condomínios construídos pelo mercado imobiliário. Já Santa Maria, Porto Dantas e 17 de Março, que abrigam famílias de renda mais baixa, receberam intervenções da Prefeitura Municipal e do Governo do Estado, com o objetivo de reduzir o déficit habitacional e amenizar carências urbanísticas.

Estabelecendo relação entre os bairros com maior número de contaminados com computados até o dia 12/05, e os bairros que mais cresceram nos últimos anos apontados anteriormente, verifica-se uma concentração de casos de COVID-19 naqueles mais verticalizados, com condomínios residenciais fechados como Jardins, Farolândia, Atalaia, Luzia, Jabotiana, Grageru, Inácio Barbosa e Treze de Julho. Também foi nesses bairros, onde a chegada de pessoas vindas de outros locais potencialmente mais contaminados, que os primeiros casos se disseminaram para atingir a população/habitações de menor poder aquisitivo.

Nesse caso, é relevante considerar o estudo realizado por pesquisadores da Aalto University, na Finlândia, publicado em 6 de abril, que indica a relação do COVID-19 e os elevadores, enfatizando a importância de evitar locais públicos e fechados na presença de outras pessoas, em função das partículas com o vírus permanecerem no ar por mais tempo que o esperado. Assim, essas informações reafirmam, para Aracaju, a necessidade de adoção de medidas de isolamento das áreas de convívio social, ou seja, espaços de lazer coletivos em condomínios fechados e loteamentos residenciais, em especial, nos bairros mais verticalizados, com maiores vetores de contágio do vírus.

Grande parte dos moradores desses bairros estão cumprindo o isolamento social em casa, trabalhando à distância nas suas habitações “saudáveis”, com água na torneira e álcool gel disponíveis para sua higienização. Em contrapartida, há muitas famílias com renda inferir a 3 salários mínimos, localizadas em bairros na zona norte e no Santa Maria e 17 de Março, que lutam em meio às dificuldades de sobrevivência com recursos escassos, a maioria oriunda do seu trabalho informal, sacrificado nesses tempos. Nesses, a repercussão  trágica da sobrecarga dos atendimentos públicos e da insuficiência de leitos de internação são muito mais graves e letais.

De fato, a pandemia tem gerado inúmeras reflexões e considerações. No tocante ao pensamento sobre a cidade, atrelada às condições de saúde, ficam escarancadas as desigualdades sócioespaciais existentes, marcadas pela insuficiência de políticas que democratizem o acesso às oportunidades urbanas para as populações mais fragilizadas.

Assim, reafirma-se a importância das políticas de controle da ocupação e expansão urbana, refletida na legislação, em especial o Plano Diretor, associada ao alerta da urgência de implementação de programas habitacionais, com moradia em áreas com infraestrutura e saneamento básico, sobretudo, atreladas à geração de emprego e renda.

É certo que não dá mais pra voltar ao normal porque esse normal era o grande nó. A união da gestão, ciência e sociedade para vencer o agora e se preparar para o amanhã é imprescindível. Que essa crise da pandemia seja aproveitada como um momento de estruturar, desde as raízes, outro modo de vida, promovendo cidades mais democráticas, justas, igualitárias e saudáveis.

 

Profa. Dra. Sarah Lúcia Alves França

Arquiteta e urbanista, professora adjunta do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Líder do Centro de Estudos de Planejamento e Práticas Urbanas e Regionais – CEPUR, Universidade Federal de Sergipe (UFS).

 

Profa. Dr. Ricardo Queiroz Gurgel

Médico pediatra, professor titular de pediatria – Departamento de Medicina e Coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde, Universidade Federal de Sergipe (UFS).

*Artigo publicado no dia 16/05/2020 no Jornal da Cidade com errata

** Errata referente ao artigo publicado no dia 16/05/2020.

 

 

 

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