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12/05/2023ㅤ Publicado às 09:00

*Por Shirley Dantas, Mãe, Arquiteta e Urbanista e Conselheira Estadual do CAU Sergipe

Ter um filho transforma a vida de toda mulher, em todos os aspectos, disso ninguém duvida. Já na gravidez, vivenciamos um turbilhão de alterações hormonais e emoções contraditórias que se revezam, se desequilibram, se harmonizam, tudo junto e misturado. A mãe que disser que não ficou apavorada em algum momento na fase de gestação, ou está mentindo, ou não se deu realmente conta do que estava por vir. Quando nosso filho nasce, acontecem dois fenômenos: surge um amor do tamanho que a gente não sabia que existia, juntamente com uma exaustão infinita que a gente também não sabia que seria tão forte para suportar. E, às vezes, não suporta mesmo.

Eu falo do meu lugar, da minha vivência pessoal, de um recorte privilegiado da sociedade, em que eu pude planejar ser mãe, me preparei para isso, o pai do meu filho estava presente e a minha família me cercou de muito amor tanto nos preparativos para esperar Gabriel, como depois de seu nascimento, me oferecendo uma rede de apoio que tenho plena consciência de que uma boa parte das mães não possuem. Aquele provérbio africano “É preciso uma aldeia para se criar uma criança”, na contemporaneidade, não se aplica, infelizmente.

Quando aliamos toda essa complexidade emocional e cotidiana que envolve uma maternidade, ao campo profissional, como fazer para compatibilizar tudo, o desafio passa a ser transcendental. No campo da arquitetura e urbanismo, onde somos maioria feminina como profissionais, a realidade não muda muito em relação a outras áreas, de acordo com estudos realizados pelo CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo). Uma pesquisa do CAU/BR, de 2020, revela que enquanto 19% das arquitetas sentem muita dificuldade em conciliar a criação de filhos com a profissão, isso é sentido por apenas 1% dos homens. Esta pesquisa também revela que as arquitetas passam cerca de quatro vezes mais tempo no cuidado dos filhos do que os arquitetos. Em Sergipe, 35% das arquitetas, encontram dificuldades em relação ao maternar e o ambiente de trabalho (de acordo com consulta pública do CAU/SE).

Minha experiência mostra que não é fácil mesmo. Quando engravidei, há 22 anos, eu trabalhava em um escritório de arquitetura e urbanismo sem carteira assinada, com um contrato de prestação de serviços. Nada me dava garantia de que após o nascimento do meu filho, eu continuaria trabalhando após um tempo afastada. Na minha cabeça, eu precisava dar conta, até o final da gravidez trabalhando e foi assim que aconteceu, inclusive com viagens para cidades do interior. Lembro que trabalhei até uma sexta-feira, já com quase 40 semanas de gravidez, e Gabriel nasceu na madrugada de domingo para segunda. Eu fazia mestrado, e neste domingo à noite, concluindo um trabalho no computador, quando comecei a sentir as contrações mais fortes, lembro de alisar minha barriga e dizer: “Filho, deixa a mamãe terminar este trabalho”. Ele não esperou.

Em nenhum momento durante todo o planejamento de ter um filho, durante a gestação e depois do nascimento do Gabriel, passou pela minha cabeça deixar de trabalhar. Não fazia nenhum sentido para mim, depois de tantos anos de estudo, me dedicando a um mestrado, deixar tudo para trás, nem por pouco tempo. E este medo de ficar sem trabalho me impediu de me dedicar exclusivamente àmaternidade por um tempo. Com menos de um mês de nascimento do Gabriel, voltei ao trabalho, no mesmo ritmo de antes.

 

Hoje, não olho isso com orgulho, me vangloriando, dizendo “olha como sou o máximo, como consegui conciliar tudo”. Não. Olho para tudo isso curando uma culpa eterna (a famosa culpa materna) e com compaixão por esta mulher que fui, amedrontada, com receio de perder o sonho de ser arquiteta para sempre. Achava que uma mulher moderna não poderia abrir mão da profissão por causa da maternidade, como fez minha mãe, por exemplo. E pensava que a sobrecarga fazia parte, era o preço que se pagava. Naturalizamos esta sobrecarga. Achamos que as consequências recaírem em nós mesmas, que fizemos estas escolhas, é o normal, parte integrante desse mundo contemporâneo em que as mulheres querem o mesmo espaço que os homens no mercado de trabalho, “Então aguentem”.

Se por um lado, como as pesquisas apontaram, muitas arquitetas desistem da profissão para serem mães (e eu vi isso acontecer com muitas das minhas ex-alunas de arquitetura – e tudo bem se foi uma escolha e não por obrigação), a opção oposta, de se desdobrar em mil para dar conta é o único caminho, aparentemente. E não deveria ser 8 ou 80. Precisamos buscar o meio termo, precisamos reduzir a carga e a culpa. A pandemia nos trouxe com mais clareza as possibilidades reais do homeoffice, promovendo um melhor equilíbrio entre a maternidade e o ofício da arquitetura, mas mesmo assim, continuamos acreditando que nós mães é que temos que dar nosso jeito. Não temos garantias e continuamos, de uma forma ou de outra, atropelando nossas necessidades em um mundo que nos exige cada vez mais a perfeição. A mãe onipresente e a arquiteta atualizada, articulada, descolada. É cruel.

Mas não queria que este texto, voltado para uma data de homenagem tão merecida, fosse uma mensagem pessimista. É uma singela reflexão como contraponto ao romantismo que cerca a maternidade que, muitas vezes, silencia as mulheres que acham que não podem admitir que é maravilhoso ser mãe, sim, mas isso não deveria ser a desculpa para estarmos tão cansadas e obcecadas pela conquista de nossos direitos de sermos mães, profissionais, estudantes, sermos o que quisermos ser, sem precisarmos ter que abrir mão de algo por isso.

Alguns pequenos passinhos vão sendo dados neste caminho de conquistas. Recentemente, diante da realidade que se revelou no diagnóstico de gênero, no recorte da maternidade, o CAU/BR aprovou desconto de anuidade para as mamães arquitetas que estão usufruindo da licença maternidade. É uma pequena luz no fim do túnel. Vamos seguir atentas e alertas. Para as mamães arquitetas de Sergipe, nossos mais sinceros desejos de que você esteja bem, de verdade. E se não estiver, converse, fale de suas dores. Nós merecemos reconhecimento, carinho e acolhimento, sempre. Feliz Dia!

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