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15/02/2024ㅤ Publicado às 10:25

* Por Acácia Regina Resende Setton, conselheira do CAU/SE 

Existem temáticas que causam certo desconforto e tendem a ser assuntos descartados tanto em rodas de conversas, como em bancos da faculdade. Questões que tendem a ser invisíveis aos olhos da sociedade e, consequentemente, do ambiente acadêmico, são refletidas pelo espaço habitado em um discurso físico e simbólico da distopia de poder representado por barreiras arquitetônicas que podem ser cenários e instrumentos da violação de direitos humanos.

Falar sobre projetar espaços para vigilância e controle de corpos não é algo comum. Estudar arquitetura prisional ainda é um processo complexo que demanda pesquisas, debates e conhecimento técnico no mundo da arquitetura, principalmente por uma dificuldade de aproximação ao espaço habitado associado à carência de metodologia técnica específica para o tema. Além disso, a baixa transparência no compartilhamento de dados do sistema penitenciário pelos órgãos públicos e fiscalizadores se apresenta como obstáculo ao devido embasamento teórico e técnico para os estudos necessários.

A análise do espaço carcerário deve contemplar não apenas as questões construtivas, mas também elementos jurídicos e sociais, que deveriam ser argumentos à formação de equipes multidisciplinares para as atividades que envolvem vistorias e tomada de decisões para garantia de direitos humanos na prisão. O fato é que pouco é visto, em relatórios e pesquisas recentes sobre o tema, uma simbiose entre arquitetos e demais agentes públicos quando o objeto de estudo é o espaço penal. Este distanciamento técnico fomenta a insuficiência de embasamento técnico às discussões sobre qualidade espacial nas prisões. Um assunto que, por si e pela demanda social, já possui a invisibilidade e tendência ao esquecimento.

Em 01 de fevereiro de 2024, houve a mais recente chamada pública divulgada pelo Conselho Regional de Serviço Social 18ª Região (CRESS Sergipe), através da Gestão “Seguiremos Atentos e Fortes em Defesa do Serviço Social 2023-2026”, para divulgação do edital de seleção de membros que vão integrar o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura em Sergipe (MEPCT/SE), órgão criado pela Lei n. 8135/2016.

 

O ponto a ser destacado é a ausência de oportunidades para arquitetos e urbanistas participarem de uma comissão técnica a ser formada por profissionais de nível superior que terão como competência a discussão e desenvolvimento de relatórios de vistoria sobre a qualidade socioespacial dos presídios, em Sergipe. Ora, como discutir elementos técnicos sobre conforto ambiental, salubridade, higiene e saúde sem ter o compartilhamento de conhecimentos técnicos do profissional de arquitetura e urbanismo?

Espera-se que, como resultado dos trabalhos do MEPCT/SE, sejam lançadas questões sobre infraestrutura dos presídios a serem fiscalizados e questionamos como esta temática poderá ser abordada sem a participação de profissionais de arquitetura, que são habilitados a discutir e analisar compatibilidade espacial às normas técnicas (como por exemplo: conforto ambiental, desempenho de edificações, ergonomia e iluminância), código de obras e plano diretor.

Estas são apenas algumas pontuações que podem ser vistas e repensadas por quem participa de gerenciamento e implementação de políticas públicas, mais especificamente no sistema carcerário brasileiro. O profissional de arquitetura deve ser visto, não apenas pela sociedade civil, mas também pelos agentes públicos, como elemento essencial no pensar o espaço habitado e o negligenciamento da sua atuação se soma às diversas camadas de (des) governança social.

É preciso que haja uma retomada de consciência sobre a função social da arquitetura de modo a assimilar o entendimento de que esta nasceu para ser democrática e falar sobre democracia é falar sobre pluralidades sociais. É justamente por fomentar privilégios sociais, que vivemos em uma sociedade desigual que distancia ainda mais os direitos básicos e constitucionais daqueles que deveriam ter a liberdade de usufruí-los.

Independentemente da situação legal do ser humano, nosso dever como arquitetos é idealizar projetos que sejam espaços a serem habitados por pessoas. A carência de interesse por uma temática naturalmente esquecida pela sociedade faz com que o arquiteto assuma uma postura neutra sobre a política pública da multiplicação de espaços prisionais, que historicamente são cenários da violação de direitos e abuso de poder. Se a função social da arquitetura é criar cenários para viver com dignidade, então precisamos melhorar neste sentido.

 

Acácia Regina Resende Setton é conselheira do CAU/SE 

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