Artigo: O longo e interminável processo da revisão do PDDU: 12 anos à espera de uma nova lei
16/03/2018 |
Por Sarah França*
Elaborado para regulamentar o Capítulo da Política Urbana da Constituição Federal que concede autonomia às gestões municipais no tocante ao planejamento urbano, o Estatuto da Cidade (Lei Federal no 10.257/2001) reforça a obrigatoriedade do Plano Diretor como instrumento da política de desenvolvimento e expansão urbana, em cidades com mais de 20 mil habitantes.
Cumprindo a primeira determinação, a gestão municipal de Aracaju iniciou, em 1995, junto a uma consultoria especializada, a elaboração do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) e dos Códigos de Obras e de Parcelamento do Solo. Entretanto, a lei sofreu alterações na Câmara dos Vereadores, tornando-a uma colcha de retalhos, e trazendo dualidades de interpretações, especialmente na aprovação de projetos arquitetônicos e urbanísticos. Sua aprovação se deu apenas cinco anos depois.
Abrigando, atualmente, uma estimativa de 650.106 habitantes (IBGE, 2017), a capital sergipana clama por uma lei compatível com a atual realidade socioespacial. Em 2000, a cidade abrigava 461.534 habitantes, nos seus 35 bairros e uma Zona de Expansão Urbana, com um déficit habitacional de 23.751 moradias.
Se a promessa é construir milhares de moradias através do Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV -, o que se verifica é a periferização da habitação de interesse social, dificultando o deslocamento dos moradores aos postos de trabalho, além da precária oferta de infraestrutura e serviços públicos, afastando-os do pleno direito à moradia. Isso sem apontar a questão da baixa qualidade construtiva das moradias e o atendimento ínfimo à população de zero a três salários mínimos, que corresponde apenas à 12% das quase 10 mil moradias financiadas pelo PMCMV entre 2009 e 2014 em Aracaju.
Por outro lado, o mercado imobiliário interferiu na expansão urbana fragmentada. A verticalização está concentrada nas zonas leste (13 de Julho e Jardins, Grageru, Luzia), oeste (Jabotiana) e sul (Coroa do Meio e Atalaia, Farolândia e Inácio Barbosa), preenchendo pequenos vazios urbanos existentes nesses bairros, equivalentes à Zona de Adensamento Básico pelo Plano Diretor.
Em contrapartida, grande parte dos condomínios horizontais fechados estão localizados na Zona de Expansão Urbana – ZEU -, classificada como Zona de Adensamento Restrito, desconsiderando, nos índices de uso e ocupação elevados, a incapacidade do saneamento básico e a variedade de elementos ambientais, como lagoas de drenagem e dunas.
A permissividade das normas é significativa, e como resultado assiste-se à ocorrência de conflitos socioambientais, trazendo transtornos à população, em especial, no período de chuvas, em bairros da zona norte, oeste e sul. Como rebatimento disso, os moradores da ZEU, prejudicados pelos alagamentos, buscaram ajuda no Ministério Público, ocasionando a suspensão, desde 2009, do licenciamento de empreendimentos que não cumpram com as exigências judiciais estabelecidas.
Para cumprir a normativa do Estatuto da Cidade e atender à Campanha do Plano Diretor Participativo do Ministério das Cidades, foi estabelecido um convênio de cooperação técnica entre Fapese/UFS e Prefeitura, em 2005, para elaborar a revisão do PDDU e dos Códigos complementares. Nesse processo, a participação de representantes de oito entidades da sociedade civil e comunidade promoveu uma construção coletiva e democrática, em que um dos ganhos foi a troca de conhecimentos entre eles.
Em 2006, o projeto de lei do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável foi encaminhado para apreciação da Câmara de Vereadores. Porém, em 2008 o documento foi devolvido à Prefeitura, para que fossem seguidos os trâmites legais de análise pelo Conselho de Desenvolvimento Urbano – Condurb. Em 2009, os projetos de lei foram entregues ao Poder Legislativo, e realizadas audiências e debates no plenário até 2012, quando o Ministério Público interviu e apontou irregularidade nas votações na Casa Legislativa, suspendendo o processo.
Em 2015, o Poder Executivo retomou a revisão do Plano Diretor, dessa vez conduzido por técnicos da própria gestão e consultoria de um grupo de especialistas. Mais uma vez, foram realizadas várias discussões com sociedade civil e comunidade nos diversos bairros, tornando-o transparente e democrático. Entretanto, alguns moradores se queixaram: “A gente participa e isso não dá em nada”, “Já estamos cansados de discutir, e de nada ser colocado em prática”, expressando o descaso e o desgaste deste processo, com várias tentativas sem sucesso.
Apesar do grupo técnico finalizar o Minuta do Projeto de Lei, a promessa do prefeito de que entregaria à Câmara dos Vereadores até o final de 2015 não foi cumprida. A obrigatoriedade de encaminhar os resultados à apreciação do Condurb acarretou a necessidade de se prolongar a entrega, a fim de enriquecer os debates, ampliando a participação dos setores que produzem a cidade.
Enquanto isso, em meio à tantas idas e vindas desse processo que não teve um fim, Aracaju continua fragilmente regida por uma combinação do Plano Diretor de 2000 (que já deveria estar na sua segunda revisão, pelo prazo estabelecido para revisão pelo Estatuto da Cidades, de 5 a 10 anos) e dos Códigos de Obras e Urbanismo de 1966, retornados à vigência. Esse verdadeiro retrocesso tem contribuído, cada vez mais, para agravar a situação da cidade, em especial da Zona de Expansão Urbana e Jabotiana e para o distanciamento da verdadeira qualidade de vida.
Ainda falta percorrer um caminho muito longo de conquistas, para que tenhamos no futuro a Aracaju ideal, sonhada por todos, sem desigualdades sociais e conflitos urbanos e ambientais. Mas precisamos lutar juntos e cobrar os nossos direitos! Nós produtores do espaço urbano, técnicos, moradores e, acima de tudo, cidadãos, clamamos a tão esperada aprovação do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Aracaju como uma lei justa, democrática, que realmente seja compatível com a dinâmica urbana atual, que equilibre a sociedade e que proporcione, especialmente à população carente o pleno direito à moradia e à cidade. É que mais esperamos!
[*] É arquiteta e urbanista, professora adjunta do Departamento de Arquitetura e Urbanismo/UFS, conselheira do Conselho de Arquitetura e Urbanismo/SE e cidadã aracajuana.