CAU/SE emite Nota Pública sobre remoção na Ocupação das Mangabeiras em Aracaju
25/08/2020 |
NOTA PÚBLICA
Remoção na Ocupação das Mangabeiras
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Sergipe (CAU/SE) vem por meio desta nota, lamentar os fatos ocorridos na Ocupação das Mangabeiras, localizada no bairro 17 de Março, entre os dias 20 e 22 de julho de 2020, quando os moradores foram removidos da área e tiveram suas moradias demolidas, em meio à situação de enfretamento da pandemia.
Importante citar que esta ocupação foi iniciada em 19 de setembro de 2014 pelo Movimento Organizado dos Trabalhadores Urbanos (MOTU), com a construção de várias moradias em situação precária, em um terreno sem oferta de infraestrutura. Inclusive, muitas mulheres trabalham para garantir a sobrevivência em uma cooperativa de produção de doces, utilizando frutos das mangabeiras que dão significado ao nome da ocupação, criado pelos próprios moradores.
Entretanto, esta área, que pertencia a União, foi concedida à Prefeitura Municipal de Aracaju para implantação de um conjunto habitacional, anunciado pela gestão em seu site, como Conjunto Habitacional Irmã Dulce dos Pobres, com 1.102 casas. Para esta construção, os moradores foram removidos do local e transferidos para outras moradias, através de subsídio do Aluguel Social, e suas casas foram imediatamente demolidas. Porém, segundo relatos de moradores, nem todas as famílias foram cadastradas para retornar ao futuro conjunto, sendo que, das mais de 1.000 famílias existentes, 836 serão contempladas com moradias e mais 266 outras famílias que moram em outros locais e que já recebiam auxílio moradia há mais tempo. Questiona-se então, como foram acolhidas/auxiliadas as demais famílias que não serão contempladas com casas?
Essa questão é um agravante em meio à situação de vulnerabilidade social e econômica em tempos de pandemia, gerando insegurança à essas famílias, que estão em iminência de ficarem na rua e/ou se alojarem em espaços ainda mais precários, com seus familiares, o que piora a situação e aumenta as possibilidades de contaminação da COVID-19. Além disso, a utilização de forças policiais nestas ações de remoções, provoca aglomerações e exposição ao risco de contaminação do vírus, e também criminaliza a luta social pela moradia, amplamente defendida numa democracia, cujo planejamento participativo, sobretudo com envolvimento das famílias atingidas, é a chave para um projeto urbano efetivo e de qualidade.
A questão da moradia improvisada nas cidades brasileiras é um problema extremamente sério para os moradores e para a sociedade, pois expõe a realidade das desigualdades socioeconômicas, devendo ser encarada como política pública integrada à infraestrutura, saúde, educação, emprego e renda, assistência social, dentre outras. Aliás, neste momento atual de pandemia, estes entraves ficaram ainda mais evidentes, tornando a situação das famílias, que já sobrevivem em situação de insegurança habitacional e com baixos salários, ainda mais difícil.
Sem dúvida, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Sergipe destaca a relevância desta intervenção habitacional, de forma a garantir o pleno direito à moradia, à cidade e ao meio ambiente à essas centenas de famílias que lutam por um espaço digno em Aracaju, e que ocuparam esta área nos últimos 6 anos. A contraposição é referente à forma como a gestão conduziu o processo, sem discussão prévia do projeto com a comunidade afetada, sem cumprimento das normativas do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (Lei no 42/2000) e da Lei no 2.941/2001, quanto à obrigatoriedade de discussão desse tipo de projeto com diversas esferas da sociedade no Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CONDURB), além do licenciamento ambiental e urbanístico do projeto nas instâncias necessárias. Assim, também destaca-se a necessidade de conhecimento dos projetos arquitetônicos e urbanísticos propostos, com implantação de infraestrutura, sobretudo esgotamento sanitário, drenagem, espaços públicos de lazer e recreação, formas de geração de renda para as famílias, preservação do meio ambiente, além da garantia da discussão com a comunidade, em especial referente à área das mangabeiras.
De fato, considerando que os mais vulneráveis são os que mais sofrem com a pandemia sugere-se, para este momento, a implementação de ações emergenciais que mitiguem o sofrimento dessas famílias, com a implantação de obras provisórias que atendam a vida coletiva – como pontos de lavagem de mãos, banheiros coletivos para melhorar as condições sanitárias, lavanderia comunitária para facilitar a higienização das roupas – e outras ações que atendam as prerrogativas dos direitos humanos e garantam a todos moradia digna, neste momento crítico.